(Bem, a cada postal nesta rubrica “O Clérigo Mouco” - dedicada a regulares resmungos políticos - perco um ou dois subscritores. Mas insisto nela, mania de bloguista veterano…)
Deixei um desiludido resmungo diante de declarações da recém-eleita presidente do partido em que venho votando. Logo recebi irónicas mensagens de alguns amigos: uns num "até que enfim", como se despertasse eu, rumo ao regaço da ideologia clientelar que lhes anima a pré-reforma; outros, mais ariscos, num "vês? o CHEGA é que é bom!"...
Depois vi referências a algo de que nunca ouvira falar: um debate televisivo feito em Janeiro na estação Now entre um jota PS, Bruno Gonçalves, e a ascencional jovem do CHEGA, Rita Matias. Essa recuperação deve-se a ter ali a deputada chamado “ratos” aos socialistas e aos imigrantes, dos quais considera necessário limpar Lisboa. Neste tipo de debates - a que alguns chamam "comentários" - aos participantes pouco importam os oponentes, pois o relevante é-lhes animar as hostes próprias que os tele-acompanham. É notório neste caso: vi a reprodução parcial deste debate no canal youtube do CHEGA onde, a este propósito, abundam exaltantes elogios a Matias...
Sobre políticos muitas vezes recorro a termos muito mais desabridos do que esse “ratos” - em especial se aludo às figuras gradas do PS de Sócrates e Costa. Mas eu não sou figura pública e muito menos um político eleito. E, mais importante, uso esse léxico “viril” em momentos privados (e, muito, em monólogos).
Essa necessária distinção “público” / “privado” não ancora apenas na dita “boa educação”. Deve-se também a que o vocabulário desabrido usado por políticos em público não só esvazia o debate - o que até pode ser um objectivo. Mas, acima de tudo, porque acicata ânimos desbragados. E foi isso que quis fazer a jovem turca deputada, na televisão reduzindo a "ratos" os seus opositores socialistas.
Mas muito pior é chamar "ratos" aos tendencialmente desvalidos que andam para aí como imigrantes pobres. O jota PS que ali se lhe opunha a Matias logo convocou a memória da retórica nazi. O que é um erro! Sim, há uma similitude lexical e semântica. Como tão bem mostra o célebre “Maus” de Art Spiegelman - ainda que seja evidente que nem Matias nem os seus pares o leram ou lerão. Mas é um erro estratégico, pois o mote de associar CHEGA ao nazi-fascismo está estafado, não funciona. Pois não é credível àqueles que são sensíveis à argumentação contestatária daquele partido. Ou seja, gritar “fascistas” aos do CHEGA serve apenas para conforto próprio dos invectivadores, não para sucesso na interlocução, dialogante ou confrontacional. Aliás, como se viu nestes últimos anos, isso só tem alimentado o crescimento do partido de Ventura.
Mas há um facto a lembrar, talvez mais útil para esta oposição: o mais competente genocídio da história foi o que aconteceu no Ruanda em 1994. Foi um fartar vilanagem. Num mês e meio houve cerca de 800 000 mortos: hutus massacraram tutsis, também hutus "moderados" e quem mais aparecesse. A maioria assassinada à catanada por milícias e populares exaltados. Para agitar essa gigantesca turba hutu foram os tutsis insultados de “baratas", um equivalente a estes “ratos” de Matias.
Não afirmo que o CHEGA queira matar os imigrantes à catanada (ou com foices e ancinhos - até porque já poucos usam alfaias). Mas os seus dirigentes usam estes termos para acicatar os ânimos, exaltando os exaltáveis. Matias et al são verdadeiros hutus…! Querem deixar as franjas de incultos lusos em “ponto de rebuçado”, tornar a sua grunhidão latente em activa… E avivam as cloacas morais dos letrados - cinquentões, sexagenários, septuagenários, doutores, directores, trota-mundos. Aperaltados. Esses que agora, ao invés dos anos que já nos passaram, durante os quais eram mais cuidadosos, estão férteis em “bocas” e insultos, falam (e até escrevem) sobre “pretos” e “monhés” sem pejo e com acinte - e noto-o eu, com isso enjoado apesar de nada “politicamente correcto” e após duas décadas de Moçambique onde o uso dos termos é mais usual, contextualizado. Se assim estão estes “sôs dôtores” como estarão os populares extremados, os morcões holiganescos?
Enfim, estes tipos do CHEGA não são fascistas, é preciso ter consciência disso. São, a Matias e os outros, é uns g’andas hutus!
Como nem todas as notificações são… notadas deixo ligação para postais desta rubrica “O Clérigo Mouco”
Está de serem hutus é muito bem achada, mas vai dar ao mesmo que chamar-lhes nazi-fascistas. Talvez tenha a vantagem de os ridicularizar - porque os hutus são pretos - que é o melhor caminho. A Matias e o resto lidam mal com o humor.