Não trato aqui de opinar sobre a já velhíssima polémica relativa a Israel. Nem sobre a recente deriva a propósito de Gaza (já disse o pouco que me ocorre). Nem sobre o conflito (guerra mesmo) entre Irão e Israel, menos ainda discorrendo sobre os respectivos projectos políticos. Pois são questões complexas. E apesar de muitos opinarem, e com veemência, sobre o assunto, estou ciente de que a minha opinião nada conta - se contasse para algo faria um relatório e vendê-lo-ia. Nem sobre as questões geoestratégicas que acompanham tudo aquilo. E sobre estas para quê aflorar o papel do Catar?, se os meus compatriotas andam encantados com o Vitinha, o Nuno Mendes, o João Neves e até o Gonçalo Ramos do clube da bola caterense… E o da Arábia Saudita, se idem com o Bernardo Silva e o Rúben Dias, já para não falar do outro Rúben, o Neves, e - acima de tudo - o Cristiano Ronaldo, nesse arquipélago futebolístico saudita? Não há dúvida, as “relações públicas” do Golfo têm muito sucesso por cá. Ou seja, à primeira vista até parecerão caras - milionárias mesmo, como o reafirma a imprensa desportiva - mas, pensando bem, são “marketing” político barato.
Venho apenas deixar uma breve memória. Em 2023 pude viajar pela Colômbia. A minha estada coincidiu com a afamada Feira do Livro de Bogotá, e fui visitá-la. Um certame enorme, e muito popular. As instalações que acolhiam as editoras colombianas (e hispânicas) eram vastíssimas, apenas as percorri sem vasculhar, até porque não iria comprar livros - aquela malfadada questão do peso da bagagem em viagens aéreas. Lateralmente havia o pavilhão do país convidado, naquele ano o México, que se apresentou com uma bela e rica representação.
E um outro pavilhão temático continha várias representações nacionais. Entre outros a Espanha e o Brasil, com pavilhões surpreendentemente despojados - fiquei mesmo estupefacto ao vê-los. Algo que ainda mais sublinhou o meu apreço pela instalação portuguesa - que, por coincidência visitei no dia 25 de Abril, como se comprova pela minha pobre fotografia, a qual não faz jus à excelência do que ali estava composto. A nossa representação era uma cuidada organização conjunta da cátedra de Estudos Portugueses Fernando Pessoa da Universidade dos Andes e da Embaixada de Portugal. 2023 era um ano de centenários de escritores portugueses, p. ex. Eduardo Lourenço, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria e Natália Correia. As suas obras estavam ali bem alinhadas, em publicações portuguesas. Tal como uma larga presença de edições colombianas de escritores portugueses - traduções, publicadas por julgo que três editoras locais, que presumo tenham vindo a ser algo induzidas pela dinâmica da referida cátedra. E estavam também conferencistas convidados, que pude ouvir: os professores Leonor Simas-Almeida e Onésimo Teotónio de Almeida (o qual eu havia conhecido um quarto de século antes em Maputo), e o excelente escritor (e também professor) moçambicano João Paulo Borges Coelho.
Enfim, eu que tenho a defeituosa tendência para resmungar (e até rosnar) diante de quase tudo, fiquei mesmo muito bem impressionado. Ufano até, em arremedo patriótico. É certo que tinha amiga na organização, provocando-me uma predisposição simpática. Mas, “juro, sinceramente, palavra de honra…” (como consta em célebre canção moçambicana) não era apenas o “amiguismo” a falar. Pois a “banca” portuguesa estava mesmo boa…
E tudo isto, já antigo, vem a propósito de quê? Pois ladeando o nosso estaminé, escassas dezenas de metros afastada, estava a banca iraniana, com as mesmas dimensões. Por lá passei claro. Estanquei, deliciado com o denotativo de tudo aquilo. Pois nos escaparates e estantes constavam apenas múltiplos exemplares de … dois livros. As edições em espanhol de uma biografia do aiatola Khamenei e de uma das suas obras. Estavam ali quatro homens, sem qualquer visitante, no típico fato-e-gravata - que noutros contextos se diria de apparatchiki. Tendo-me eu aproximado logo um deles veio ter comigo, cortês, indagando-me quem era eu e o que ali fazia. Lá me expliquei, mas nisso algo constrangido e assim deixando ficar o telefone no bolso, desprezando a minha verdadeira vontade de fotografar a peculiar representação bibliográfica nacional naquela grande Feira Internacional - e por falta dessa fotografia até agora não fizera este postal, percebendo-o coxo por falta de ilustração abrangente.
Entretanto o evidente “controleiro” - e percebendo que eu não iria comprar os livros - deu-me este pequeno folheto (que acima reproduzo), basto laudatório do “Gran Sabio y Referente Islámico”… Lembro-me de dali ter saído num breve meneio de cabeça, pois diante de tamanho anacronismo. Denotativo, como já disse…
Enfim, repito-me, é este postal um elogio deste Israel, até destes EUA, um apupo a este Irão? Não, é mesmo um raisparta tudo isto.
Como nem todas as notificações são… notadas pelos subscritores, aqui deixo ligação ao postal imediatamente anterior