(Fotografia de Pedro Sá da Bandeira)
Ontem na Faculdade de Direito da “Clássica” de Lisboa houve uma sessão anunciada como encontro de Venâncio Mondlane com moçambicanos cá residentes.
Fui até lá acompanhado por um amigo, o Pedro Sá da Bandeira, fotorrepórter que reside no estrangeiro e por cá agora veraneia. Pois a curiosidade impôs-se-nos! Ambos vivemos anos em Moçambique, e muito gostámos. O Pedro prepara agora a exposição “Veredas Austrais” - fotografias feitas naquele país -, que apresentará em Lisboa, no próximo Setembro. Eu de vez em quando falo sobre aquele processo político. Escrevi um texto longo sobre o assunto - a primeira parte está aqui, à conclusão colocá-la-ei esta semana. No fim do Verão publicarei um livro com textos de opinião sobre Moçambique, o “Sentido Obrigatório”. Ou seja, ambos muito gostamos de Moçambique e nele estamos interessados - de modo desinteresseiro. Talvez eu esteja demasiado enviesado nisso, assim porventura sobrevalorizando a relevância daquelas realidades para o ambiente português… Não tanto o Pedro, pois mergulhado na imensa e apaixonante Colômbia que o acolhe.
O preâmbulo é para justificar o que aqui digo. Chegado ao anfiteatro, cheio, notei a ausência de jornalistas. Evidente a dos do audiovisual, percebida depois a dos da escrita. O único presente, ali a trabalhar - e por iniciativa própria -, era mesmo o bom do Pedro Sá da Bandeira… Ou seja: o encontro no centro de Lisboa de Mondlane com os seus compatriotas foi assunto irrelevante para a nossa imprensa!
Com o telemóvel deixei um resmungo sobre isso: nas “notas” deste “O Pimentel” e no meu mural de Facebook. Nesse logo recebi um simpático desacordo, informando-me que a RTP gravou uma entrevista com o político, a qual será transmitida esta semana na RTP-África.
Lembrei-me, de imediato, de Luzia Moniz, socióloga e jornalista angolana cá residente: na última campanha eleitoral portuguesa esteve ela num painel na RTP-África, debatendo as propostas partidárias relativas a questões de imigração e de inserção social (em sentido lato). O painel era constituído apenas por negros, imigrados ou descendentes de imigrados (não posso especificar).
Dizia Moniz, com toda a pertinência: nas estações televisivas há imensos painéis de comentários sobre as eleições, entrevistas a políticos ou “comentadores” sobre vários temas. Mas sendo o assunto ligado a África - no sentido de articulada com a pobre noção racializada de “África” (“negros”, como é evidente) -, e mesmo tratando-se de política eleitoral portuguesa, o debate é remetido para a RTP-África. Acantona-se na estação para negros, sou eu mais ríspido. E isto é feito com a maior das “naturalidades”, com a maior das inconsciências: aqueles pobres profissionais nem percebem que amodorram entre o pântano dos preconceitos. Regresso a ontem: sob esta forma de ver as coisas, se um oposicionista ucraniano, israelita, colombiano ou de outra origem vier a Portugal será visto num dos outros canais da RTP, se for moçambicano é no “África”…
Mas o meu espanto desagradado não era apenas com o “serviço público” audiovisual. Pois tratou-se da total ausência da imprensa. No meu FB um jornalista aventou a hipótese de “falta de meios”, materiais e humanos… Eu respondi com o exemplo do meu amigo: foi de metro, usou a sua máquina fotográfica. Que falta de meios? Apenas resta o total desinteresse. O que é sublinhado pela miríade de “reportagens” sobre os factos mais corriqueiros com que jornais, rádio e tv estão cheios… e para os quais não faltam meios, técnicos, financeiros, humanos.
Poder-se-á dizer que o fundamental é entrevistar o político. Eu responderei “com a verdade me enganas”. Pois a imprensa não é apenas porta-voz. E porque ali perdeu bom material de reportagem. E para análise.
Pois, por um lado, houve um Venâncio Mondlane algo diferente do habitual “no campo”. Foi uma longa sessão, com os assistentes muito participativos, colocando questões pertinentes. Mondlane respondendo, alongando-se nisso. E por vezes até deixando transparecer estar a ser (minha pacífica ironia) influenciado pelo vetusto odor doutoral da faculdade que nos acolhia: recordo um belo naco oratório, explicando o seu menosprezo pelos “profetas do a posteriori”, aqueles que após os factos anunciam tê-los previsto. Assim explicando a imponderabilidade e imprevisibilidade dos fenómenos políticos e sociais e nisso a imanência, irredutível, dos erros dos políticos, dele mesmo. Avisado pronunciamento que culminou com uma passagem para o texto bíblico, lembrando um Jesus “dono do tempo” refutando aos homens o conhecimento do futuro… Uma delícia retórica para este ateu. E pequeno episódio que deveria ser relevante para aqueles que o querem reduzir a um furibundo evangelista (mas isso é matéria para outras conversas).
Mas mais importante, porque verdadeiro material para reportagem, foi a assistência que enchia o anfiteatro. Claro que muitos moçambicanos, vários deles deixando testemunhos das suas experiências. E inquietações. Também alguns velhos moçambicanos, intelectuais saudosos “da” velha Frelimo, desiludidos com “o” Frelimo. Mas também muitos angolanos, veementemente explicitando o quanto se inspiram no percurso oposicionista moçambicano. E vários santomenses - que na véspera haviam comemorado o cinquentenário da sua independência. Todos, de uma ou outra forma, aludindo à esperança de uma CPLP feita de países mais justos e democráticos. E ainda autarcas portugueses, ali solidários e disponíveis. Um ambiente dialogante e informal - e tão importante é esta informalização da relação com os políticos - como se demonstrou nas fotografias do final.
Mas deixo mais um ponto para sublinhar a incoerência do menosprezo dedicado pela imprensa portuguesa à sessão. No final do encontro coloquei uma pergunta, pedindo que esmiuçasse ele que tipo de relações tem com os partidos parlamentares portugueses e com o governo. Até porque ontem mesmo lera um grande e justificado elogio feito por Dinis Tivane - braço-direito de Mondlane (e é de lembrar que os anteriores braços-direitos foram assassinados no centro de Maputo) - ao deputado Rodrigo Saraiva da IL.
Estava eu interessado em saber se as relações com o nosso MNE degelaram. Mas acima de tudo porque sei ser assunto explorado pelos plumitivos do regime moçambicano o facto de Mondlane se ter reunido com alguns partidos portugueses. Escondem que houve solicitação de reuniões com os nossos partidos, tendo havido encontros com os que acederam ao pedido. Em Maputo bradou-se que Mondlane se reunira com o CHEGA, e por isso era amigo dos fascistas. E também se gritou que se reunia com a IL, a “liberal” - mas são os mesmos que tanto elogiam o pragmatismo e competência de Samora Machel quando criou fortes laços com Thatcher e Reagan, esses ícones liberais. Vale tudo na refrega política, como se sabe…
Acontece que logo que fiz a pergunta comecei a receber mensagens no telemóvel, de Maputo perguntando-me, saudando-me, “mais-velho estás a fazer perguntas!!!”. De supetão surpreendi-me… Mas logo percebi. Enquando aguardava a resposta fui à página de Facebook de Venâncio Mondlane, onde se transmita a “live” daquela sessão…
Tinha, naquele momento 230 mil visualizações! Num domingo de manhã, um plácido encontro na Europa, num anfiteatro lisboeta. E 230 mil visualizações!
Mas coisa irrelevante para os jornalistas cá da praça. Não devido a “conspirações”. Muito menos devido a “interesses”. Apenas por … desinteresse.
Como nem todas as notificações são… notadas, aqui deixo ligações para postais que podem ter passado despercebidas.
25 de Junho, 50 anos de Moçambique
Neste 25 de Junho Moçambique comemora meio século. Eu devia - e tinha isso planeado - hoje aqui publicar um texto analítico, ensaístico. Mas adio. Pois ponho-me…