No Delito de Opinião (blog colectivo no qual escrevo), ontem o Pedro Correia insurgiu-se diante das atoardas substantivas e das atitudes abrasivas do comentador televisivo Agostinho Costa. Ecoar diferentes opiniões, oriundos de diversos pontos de (tomada de) vista, é um valor fundamental na imprensa. E a questão da guerra na Ucrânia - crucial na nossa sociedade - não deve ser excepção. Mas o desconforto face a este indivíduo ultrapassa a sua aparente bizarria. Ou seja, levanta várias questões:
1. Lateralmente: sobre a questão ucraniana noto um paradoxo - de facto é um falso paradoxo, mero episódio das artimanhas da retóricas avessas à democracia liberal. Pois quando estalou essa guerra houve decisões europeias para obstar à disseminação da propaganda russa, promovida pela divulgação da sua imprensa e de inúmeros "sítios" digitais, sitos na Rússia ou alhures. O que colocou problemas quanto aos princípios relativos à liberdade de expressão e de acesso à informação.
Lembrando-nos o que é pouco dito: se os "princípios" são (devem ser) sacrossantos, são-no na medida em que são também "maleáveis". Pois a sua centralidade depende, exactamente, dessa relativa maleabilidade e de como esta é controlada de forma institucionalizada / legitimada. Ilustro de modo superficial: a aparente oposição entre o "não matarás" e a defesa da "guerra justa", ou entre a inadmissibilidade de "justiça por mãos próprias" e o direito à "legítima defesa". Ou, vá lá, entre o "não cobiçarás a mulher do próximo" e o direito ao divórcio. Matérias que filósofos, juristas e teólogos esmiuçaram...
Ora realço que muitos, sitos nos diferentes nichos de extracção comunista - cujo viés antidemocrático se consubstanciou numa russofilia até anacrónica -, contestaram essa "censura" (por exemplo aqui, num abaixo-assinado que congregou dezenas de intelectuais portugueses) aos dizeres russos e russófilos. Mas é desses mesmos sectores ideológicos que entretanto surgem apelos para um controlo das plataformas de divulgação - as "redes sociais" - evitando opiniões (e "versões") de "extrema-direita".
É notório que estas opiniões são opções por cardápio (a la carte). E demonstram que os núcleos avessos às democracias liberais e às suas instâncias multilaterais querem esconder o evidente. Do Atlântico aos Urais nenhuma "extrema-direita" é mais poderosa do que a instalada no poder de Moscovo: nacionalismo agressivo e dotado de fortíssimo argumento militar, discriminação desvalorizadora de "minorias" nacionais/linguísticas ("étnicas", diz-se popularmente), substrato clerical, repressão política, censura de imprensa, limitação ao direito de associação, execução alargada e aprisionamento de opositores políticos, oligarquia cleptocrática, conúbio com as piores ditaduras internacionais (veja-se a aliança factual com a monarquia norte-coreana), apoio constante a núcleos políticos congéneres no estrangeiro. E, relevante pois sonante na actual agenda política da "esquerda identitarista", repressão dos homossexuais - note-se que se na Hungria o governo de Orban, tão dito de extrema-direita, pode ser agora afrontado por uma enorme manifestação defensora dos direitos dos homossexuais, isso é impensável sob o regime russo.
Enfim, mais de três anos depois do início da guerra na Ucrânia, a adesão à ideologia fascista, sob embrulho russófilo, continua a ser aceite. E propagandeada. Em Portugal é-o fundamentalmente através da televisão. Pois não se trata de "redes sociais" mas sim de estações televisivas que emitem sob alvará estatal e pagam para que seja feita propaganda de extrema-direita.
2. Pede-se à imprensa que sobre a guerra na Ucrânia - na produção e importação de reportagens e na análise (comentário) - seja ... analítica. É normal que o estupor e alarme inicial tenha promovido um até alarido, mesmo propagandístico, convocando a opinião pública a um esforço (político, orçamental, de acolhimento) em prol dos invadidos.
Mas foi evidente que esse enviesamento pró-ucraniano - democrático, independentemente dos defeitos próprios do regime de Kiev - se deixou alongar: exemplo disso, mesmo pungente, foram as intervenções diárias no horário nobre de canal generalista do exaltado José Milhazes. Esse é caso extremo, até pitoresco. Mas a normal tendência pró-ucraniana - por ser o país invadido, associável ao nosso âmbito multilateral, e pela evidência do expansionismo russo -, cristalizou-se num discurso repetitivo, muitas vezes - mas não sempre - falho de capacidades analíticas. Esquecendo o fundamental: a Ucrânia defende-se no campo de batalha e nos contextos diplomáticos. Não no audiovisual e nos jornais portugueses.
(Pior ainda, o seguidismo às teses e práticas do governo israelita. Mas será importante integrar o cada vez mais esquecido factor: a actual guerra em Gaza e sua transferência para Líbano e Irão, é uma refractada sequela do conflito na Ucrânia).
3. O caso de Costa não é único, mas é o mais vibrante. General e influente maçónico, evidencia ser adepto do regime fascista russo. E, neste contexto internacional, de todos os regimes antidemocráticos - em particular o iraniano - que sejam adversários dos nossos aliados e das nossas instâncias multilaterais. E segue remunerado para realizar essa propaganda - muito provavelmente devido às teias de influência que construiu a partir das suas inserções nos grupos de pressão castrenses e civis. Pois, até pela sua consabida truculência insultuosa, não haverá outra explicação para a continuidade desse seu labor televisivo.
E é nisso apoiado pela estação televisiva - não só pelas constantes aparições. Pois há pouco tempo, num zapping meu, apanhei-o numa entrevista pessoal, julgo que vespertina - lamentavelmente não registei o programa, não recordo o título. Mas percebi o intuito "humanizador": o entrevistador fez questão de um "vamo-nos tratar por tu", e construíu o diálogo de modo a que os espectadores assistissem à apresentação de um aprazível cidadão sénior, felizmente ainda activo, pois saudável e viçoso. Ou seja, sedimentando a simpatia pelo propagandista Costa. E pelas suas opiniões.
4. Aos jornalistas e/ou analistas (agora ditos "comentadores") não pode ser exigida a "neutralidade". Nem mesmo se pode pedir uma "equidistância", ponto de tomada de vista que é mitológico. Pode-se pedir objectividade, esta sempre construída na subjectividade pessoal. E, até mais do que tudo, alguma decência.
Ainda assim há destrinças a fazer. Ilustro: tivesse eu sido convidado para comentar - de modo gratuito - a recente final da Taça de Portugal entre o meu Sporting e o Benfica, em estúdio teria sido vibrante adepto. E ali ao vivo, diante dos "caros telespectadores", teria festejado a ansiada "dobradinha" - como aqui o fiz. Mas se ali estivesse na qualidade de "comentador residente" - ou seja, remunerado (e bem que me daria jeito) - a abordagem intelectual seria diferente. Sim, rejubilaria. Sim, festejaria (repito, como aqui o fiz). Mas - por estar a ser remunerado, ou seja, por estar a trabalhar - teria de reconhecer que Mateus Reis deveria ter sido expulso, que houve um erro crasso da arbitragem, o qual a não acontecer teria mudado as dinâmicas do jogo e, talvez, impedido a tal ansiada "dobradinha" sportinguista. Enfim, que o título obtido foi um bocado coxo (o Sporting poderia ter ganho na mesma mas ficará sempre a dúvida...).
Que quero eu dizer? Que é louvável a disponibilidade para acorrer à imprensa de modo voluntário (gratuito, no sentido de não remunerado...) em atitude de cidadania, militância, "activismo" (como se diz agora) ou de mero adeptismo. Assim exercendo uma até obrigatória parcialidade. Mas quando se vai opinar de modo laboral (remunerado) a restrição à militância, ao propagandear, é uma vilania. Uma desonestidade intelectual. Costa não é, nem de perto nem de longe, o único - exemplo crasso é o da comentadora residente Ana Gomes, na sua patética classificação da competência televisiva dos cabecilhas partidários: disso diria a minha mãe, que tinha uma linguagem menos abrupta do que a minha, "isso não é um comportamento digno de uma Senhora". Pois esta gente é paga para exercer um trabalho e vai exercê-lo ao serviço de outros interesses. Mas Costa é o mais fascista deles todos. E o mais malcriado.
(Momento Muito Tenso Na Cnn Portugal. Diana Soller Vs Major Agostinho Costa Vs João Póvoa Marinheiro)
Qual a razão para que continue a ser contratado para propagandear o fascismo? Repito-me: talvez devido à sua influência no meio castrense - e é problemático percebermos que há alguns generais tão avessos aos regimes democráticos e à multilateral de Defesa em que estamos inseridos. E/ou pela inscrição maçónica, sempre de influência esconsa, algo imperscrutável. Mas, para além dessas dúvidas quanto ao actual trampolim fascista em Portugal, há algumas certezas. Entenda-se, os nomes dos responsáveis directos.
Escrevi-o em 4 de Março de 2025:
"Desde logo eu (e tantos outros) me espantei e enojei com a desbragada putinofilia - até vituperando o patriotismo ucraniano - de alguns generais comentadores televisivos - um até exultava com a "libertação de Mariupol", tanto lhe agrada Putin. Ditos "especialistas em assuntos militares" (caramba, são generais, seriam especialistas de quê?). Para quem ache que são "especialistas", comentadores avisados e assim neutrais, deixo um exemplo, o do general Costa - um avençado por instruções dos (ex?-)jornalistas Nuno Santos e Santos Guerreiro. Enquanto trata todos os interlocutores por títulos académicos (o sacrossanto "Chô Doutor/a") gozou a cena da Sala Oval, referindo "Vance", "Trump" e "o Zelensky", assim denotando o desprezo pelo "mimado" ucraniano, como o disse. Tal como referiu o "Senhor Macron" - em evidente glosa do célebre e justificadamente sarcástico "Senhor Hitler" de Fernando Pessa. Terminando, o escroque fascista, a tratar os líderes eleitos da democrática União Europeia por "cavalheiros" e - imagine-se - "madames", como se estas fossem epígonas da Maria Machadão de Jorge Amado. Há 3 anos que Nuno Santos e Santos Guerreiro agridem o país com este lixo moral. Pois são isto."
Porque nem todas as notificações são… notadas pelos subscritores, aqui deixo ligação ao postal a que aludo no texto:
Por demais evidente, neste major-general Costa, no outro, de qum só guardo o apelido, Branco. Agravado, se possível, pelo gritante machismo do Costa, desqualificando e sendo paternalista para com a Diana Soller e, além dela, a Helena Ferro de Gouveia, que lhe terá atirado um copo de água às trombas, após o directo, tantos foram os dislates proferidos.